sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O perceptivo intérprete dos paradoxais sentimentos da alma mundana

Ao completar 100 anos em 2012, nascido no Recife em 23 de agosto, o leonino Nelson Rodrigues, deixa muitas lembranças. Uma delas é conseguir ser um dos raros brasileiros a escapar da amnésia endêmica, livrando-se do limbo a que são condenados os grandes mortos e efemérides do gênero.
Para os amigos e inimigos era um apaixonado cínico, autor seminal, um feixe de paradoxos, profundo individualista, morcego da emoção coletiva, conservador revolucionário, reacionário censurado, imperador da fantasia, sarcástico imaginativo, usineiro de superlativos, realizador do imaginário, louvador da ditadura, ficcionista delirante, direitista atormentado, …
O dramaturgo, repórter, teatrólogo, cronista, jornalista, romancista e autor de outras facetas mais foi obsessivo confesso e sem cura, obcecado especialmente pela morte, jurava que na infância fugia da escola para assistir a velórios.
Considerado o inventor do teatro brasileiro em 1943 com a peça “Vestido de Noiva”, suas criações incluíram imaginosos personagens, como o padre de passeata, a freira de minissaia, a estudante de psicologia, a estagiária de jornalismo, o idiota da objetividade, a vizinha gorda e patusca, o irmão definitivamente canalha, a dama do lotação, a engraçadinha mas ordinária, Sobrenatural de Almeida, a entrevistadora “cabra vadia”, …

 Colecionador de cenários metafóricos e frasista incomparável, é certo que em alguma esquina ou mesa de bar, haverá sempre alguém evocando uma de suas criaturas ou memoráveis frases.

ü      Só a vaia consagra.
ü      Toda unanimidade é burra.
ü      A crônica policial piorou porque os repórteres não mentem.
ü     Se todo mundo conhecesse a vida íntima de todo mundo, ninguém cumprimentaria ninguém.
ü      A maioria das pessoas imagina que o importante, no diálogo, é a palavra. Engano, o importante é a pausa. É nela que as pessoas se entendem.
ü     Toda a história humana ensina que só os profetas enxergam o óbvio.
ü     É muito difícil não ser canalha. Todas as pressões trabalham para o nosso aviltamento pessoal e coletivo.
ü     Toda mulher bonita é um pouco namorada de si mesma.
ü     O marido não deve ser o último a saber. O marido não deve saber nunca.
ü     O biquíni é uma nudez pior do que a nudez.
ü     Nada nos humilha mais do que a coragem alheia.
ü     Eu me nego a acreditar que um político tenha senso moral.
ü     Que Brasil formidável seria o Brasil se o brasileiro gostasse do brasileiro.
ü     Acho a liberdade mais importante que o pão.
ü     Quem não é canalha na véspera é canalha no dia seguinte.
ü     A fome é mansa e casta. Quem não come não ama, nem odeia.
ü     O cardiologista não tem, como o analista, dez anos para curar o doente. Não há no enfarte a paciência das neuroses
ü     Desconfio muito dos veementes. Via de regra, o sujeito que esbraveja está a um milímetro do erro e da obtusidade.
ü     Jovens: envelheçam rapidamente!
ü     Falta ao virtuoso a feérica, a irisada, a multicolorida variedade do vigarista.
ü     Amar é ser fiel a quem nos trai.
ü     Toda mulher gosta de apanhar. Só as neuróticas reagem.
ü     Quem nunca desejou morrer com o ser amado nunca amou, nem sabe o que é amar.
ü     Sem dentada não há amor possível.
ü     Tarado é toda pessoa normal pega em flagrante.
ü     Todo tímido é candidato a um crime sexual.
ü     A mais sórdida pelada é de uma complexidade shakespeariana.
ü     Um time que tem Pelé é tricampeão nato e hereditário.
ü     O futebol é passional porque é jogado pelo pobre ser humano.
ü     Um Garrincha transcende todos os padrões de julgamento. Estou certo de que o próprio Juízo Final há de sentir-se incompetente para opinar sobre o nosso Mané.